Sentada à soleira da porta, aguarda-nos pacientemente… lenço branco na cabeça, saia preta rodada.
O sorriso aberto generoso, solidário antecipa um abraço que é sempre demorado e sincero. Conhece-nos pelo tacto, pelo cheiro, pelo toque e claro pelo timbre da nossa voz. Conhece todos os que a rodeiam com uma sensibilidade impressionante e temos a certeza que dentro da sua cegueira, afinal, nos vê com nitidez.
Isidora Correia, nunca o foi… seria desde sempre Nha Balila, “nha” porque ela é nossa, é do povo, é do bairro que escolheu para viver na Praia, há 50 anos, Tira Chapéu e é do mundo.
Gostamos muito de a visitar, de a ouvir contar estórias… quase sempre coloridas e cantaroladas, numa ladaínha que, mesmo quando a conhecemos de cor, soa a novidade.
Perto dela o “storytelling” ganha outro sentido. Tão real, tão humano, tão criativo. Num interessante jogo de palavras que dão vida às suas memórias, aos seus saberes populares, às tradições orais que poucos já sabem guardar.
Nha Balila, nasceu e cresceu na Serra Malagueta, numa família de 12 irmãos, onde as meninas, 4, viriam a nascer todas invisuais.
Viveu a miséria de perto em Cabo Verde; embarcou para Angola à procura de uma sorte melhor e de lá para São Tomé e Príncipe, para as roças, de onde ainda guarda marca indeléveis e cicatrizes no corpo, dos tempos em que a humanidade andava muito longe dali.
Regressa à sua terra tão pobre quanto partiu.
Mas Nha Balila nunca foi de se deixar levar pelas agruras mais severas. Era especial e sabia-o melhor que ninguém.
Sem ver, mas com voz, percebeu que era ali que estava a sua força maior. E levantou-a bem alto na época de lutar por um Cabo Verde Independente. Conta-nos em jeito de confidência que ía às reuniões do partido e distribuía panfletos às escondidas. “- Era atrevida!”, diz-nos a sorrir.
Depois da Independência entregou-se a outras lutas: à juventude, aos idosos, ao seu bairro.
Usa o batuque, e a finasson (uma tradição oral muito antiga) porque às vezes é preciso cantar para dizer aquilo que não pode ser dito a falar.
Faz hoje 90 anos mas não lhe conhecemos queixas de cansaço. Já a vimos a dar palestras a jovens; contar histórias a crianças; participar em programas de rádio e tv; confortar idosos; cantar hip hop em estúdio com “rapaziada” mais jovem; encabeçar grandes rodas de batuque.
E nisto tudo a cegueira é só o detalhe que nunca é preciso mencionar…
Nha Balila vê mais do que todos nós. Porque quando os olhos estão no coração são imunes aos equívocos das aparências e à superfície do primeiro olhar.
Nha Balila vê-nos por dentro, como poucos… e sente-nos!
Vê o mundo com o coração.
Parabéns Nha Balila!