Somos emigrantes. Demoramos algum tempo a aceitar esta “condição” e dizê-lo abertamente sem que a voz nos vacilasse. Em parte, porque a nossa emigração foi sendo subtilmente adquirida sem que a tivéssemos planeado.
Despedimo-nos dos nossos com poucas malas e uma saudade que deveria durar alguns meses. Eis-nos agora com 14 anos de vida no estrangeiro e uma vida que já não cabe em malas.
No início sempre nos pareceu que a palavra emigrante nos distanciava da nossa terra e da nossa gente, até definitivamente deixarmos de ser de lá, não sendo também de cá.
Não podíamos estar mais enganados!
Ser emigrante deu-nos o que provavelmente jamais a vida em Portugal nos teria dado por si só.
A consciência de que o mundo é muito mais que um território delimitado por fronteiras e nacionalidades. Que o global é mais forte que o local. Que a diversidade nos enriquece e completa. Que fora da zona de conforto estão as melhores descobertas.
Hoje, choramos a saudade com Fado, despedimo-nos ao ritmo da Morna. Vibramos com a energia do Funaná e das Rimas do Sam the Kid.
Temos uma família colorida, onde cabe toda a imensa palete de melanina.
Na nossa mesa serve-se katxupa e sardinha assada. O vinho do Fogo e do Alentejo.
Barafustamos frases que misturam crioulo e português. Dizemos Amor e Cretcheu com o coração ao mesmo ritmo.
E não, não somos menos portugueses por isso.
Portugal continua a ser a raiz bem guardada. A nossa maior certeza e orgulho. O hino que nos enche os olhos de lágrimas. A terra onde regressamos sempre como quem regressa à barriga da mãe.
E vemo-lo assim, à distância, com olhar apaixonado e moldado pela saudade.
Mas nesse olhar cabe-nos um mundo maior, misturado, tolerante e igual. Um “Mundo Nôbu” como canta Dino d’Santiago, na sua mensagem. Manifesto firme de união e comunhão que a nós, portugueses em Cabo Verde, tanto, mas tanto nos diz.
Somos portugueses. Descendemos de uma história longa, com episódios (muitos) que nos engrandecem, outros nos envergonham. Mas não podemos, nem queremos apagá-la. O passado já não nos pertence.
É o presente e o futuro que devemos escrever com outras linhas. Linhas de amor, de respeito pela diferença. Linhas de várias cores, formas e línguas. Que somadas formam uma história rica e de unidade entre povos e culturas.
Uma história onde já não entra o ódio, o racismo, a intolerância e os estigmas.
Somos emigrantes. Provavelmente, regressaremos a Portugal cumprindo uma ambição bastante comum. Certos de que a aventura de ter sido parte de uma comunidade portuguesa no mundo, de termos sido estrangeiros noutro lugar, nos fará regressar imensamente mais ricos.
Com um filho aqui criado, que se sente parte de um país que também é dele. Um filho que cresceu a aprender que a pele tem muitos tons, o cabelo muitos volumes e que eles não nos definem, nem nos dão mais ou menos privilégios.