Consultora de uma agência das Nações Unidas, Diana Borges já viveu em três continentes. Conviveu de perto com a fome, a pobreza e os refugiados. Realidades que somam experiência de vida a esta portuguesa a viver agora em Moçambique.

Nome: Diana Borges

Origem: Matosinhos

Residência: Moçambique

Profissão: Consultora de uma agência da ONU

Países onde já residiu: Timor-Leste, Myanmar, Suécia, Angola e Zâmbia

Quem é a Diana?

Sou uma portuense de 33 anos que gosta de viajar sem demasiado planeamento, especialmente em locais onde tem amigos.  Sou curiosa por novas culturas, sempre em busca de semelhanças e diferenças entre pessoas e mundos, e com uma grande admiração (e confesso não tanto conhecimento) pela natureza.

Quando começou esta “aventura” da emigração e porquê?

Durante a licenciatura em Ciências da Nutrição fiz voluntariado em Angola e depois disso tive a certeza que o meu passo seguinte seria procurar trabalho fora. Não apenas fora de Portugal, mas fora da Europa.

No início de 2010 finalmente emigrei.

Diana Borges

Fui para Timor-Leste (Distrito de Lautém), através do programa Inov Mundus, para trabalhar num programa de saúde e nutrição comunitária com uma organização não-governamental portuguesa. Confesso que depois de Angola eu queria mesmo era ir para países africanos.

Mas quis o destino que eu começasse pela Ásia. Olhando para trás, o destino talvez tivesse razão.

Diana Borges
portuguesa no meio de dois timorentes
Em Timor-Leste o primeiro país para onde emigrou

Já residiu em países e contextos muito diferentes, quais a marcaram mais e porquê?

Mudei-me para Timor-Leste com 24 anos e saí já com 28, portanto é impossível negar o impacto que o país teve em mim. Aprendi parcialmente a língua, explorei tabus, percorri todos os distritos, vi paisagens incríveis no fundo do mar e no cimo das montanhas, fiz amigos para a vida, e comecei a perceber a beleza e a frustração do trabalho em desenvolvimento.

A nível profissional, no entanto, o país que mais me marcou foi sem dúvida o Myanmar.

Diana Borges

Estive em Maungdaw, uma espécie de distrito no norte do Estado de Rakhine que faz fronteira com o Bangladesh. Ali vivi das melhores e das piores experiências até hoje.

Vi pela primeira vez pessoas sem esperança e senti a frustração de não poder ajudar, mesmo tendo os recursos para o fazer.

Diana Borges
Mulher a vacinar crianças
Diana trabalha para a ONU na área da Segurança Alimentar

De que forma isso foi moldando a sua personalidade?

Estes últimos nove anos deram-me mais confiança em mim mesma. Ter conhecido tantas pessoas diferentes e em contextos tão díspares ensinou-me também a não categorizar as pessoas e os seus comportamentos ou atitudes em “boas” e “más”.

Agora faço um esforço para parar e pensar que todas as situações vêm com diferentes tons de cinzento.

Diana Borges

Ter tido a possibilidade de viver e trabalhar em locais tão distintos mostrou-me que as diferenças são menores do que pensamos.

Os medos, as alegrias, as esperanças, as dificuldades, não dependem de geografias e de culturas.

Diana Borges
mulher a saltar
Namíbia

Esta realização deveria tornar o nosso trabalho mais fácil, mas não. A nossa falta de capacidade de prever e evitar algumas situações tirou-me algum do romantismo que via no mundo humanitário e de cooperação.

No geral, dos países onde trabalhou onde foi mais notória a questão da insegurança alimentar e subnutrição?

A insegurança alimentar em Maungdaw e Buthidaung (Myanmar) era (e é) gritante. As enormes restrições de mobilidade com consequente baixo dinamismo de mercados e falta de oportunidades de trabalho (bem como fraco acesso a educação e saúde) tornavam as pessoas extremamente vulneráveis.

Foi uma lição para mim perceber como a falta de direitos básicos fundamentais tem um impacto tão direto no acesso a alimentos, mesmo em zonas com potencial agrícola e pecuário.

Diana Borges
Mulher sentada num muro no Nepal
Nepal

Trabalhar com refugiados também foi um desafio?

Foi um desafio muito interessante. Tinha contactado um pouco com deslocados internos no Myanmar, mas ter estado em Angola e na Zâmbia foi um privilégio. Trabalhei com refugiados recém-chegados e vi o início e desenvolvimento de uma nova abordagem no acolhimento de refugiados “Comprehensive Refugee Response Framework” que pretende integrar os refugiados nas estruturas locais quase desde o início.

Finalmente os governos estão a assumir que muitas das crises que levam as pessoas a pedir asilo não se resolvem em pouco tempo.

Diana Borges

É importante diminuir a dependência dos refugiados em assistência externa e promover a contribuição destes para a sociedade o quanto antes.

Mulher e um imbomdeiro
Namíbia

Agora em Moçambique, um país pobre, assolado pela seca mas também, recentemente pelo ciclone Idai, que trabalho está a desenvolver?

Em Moçambique trabalhamos na área da segurança alimentar e o meu escritório cobre as províncias de Gaza e Inhambane, que têm sido sucessivamente afetadas por seca com programas de curta duração, de emergência, com um programa de resiliência, e com o programa de lanche escolar. O enorme impacto dos ciclones Idai e Keneth desviou um pouco a atenção da seca que se faz sentir no sul do país e que deixou milhares de famílias em insegurança alimentar pela baixa colheita da última campanha agrícola.

Todos estes anos e destinos devem ter somado muitas experiências à sua vida

Estes anos têm sido repletos de situações marcantes. Recordo com particular intensidade o fim de dia em que vi, por acaso, o nascimento do filho de uma colega de trabalho em Timor-Leste.

O Natal de 2015, em Maungdaw (Myanmar) no qual os meus colegas muçulmanos (rohingya) e budistas (rakhine e burma) responderam positivamente ao meu convite para virem com as famílias passar a manhã de Natal comigo.  

O meu primeiro safari na Zambia e o medo que senti com a proximidade dos elefantes e dos leões. A emoção da primeira vez que vi baleias a passar bem ao longe em Timor.

Diana Borges

Ou o dia em que passei pelo centro de trânsito de refugiados em Angola e aprendi sobre o espírito empreendedor dos refugiados congoleses, que pareciam ver em tudo uma oportunidade de negócio.

Mulher na escandinávia
Escandinávia

Considera-se portuguesa ou uma cidadã do mundo?

Adoro viajar, e trabalhar em diferentes continentes permite-me conhecer imensos países. Mas considero-me portuguesa. Sinto que a base que tenho em Portugal é o que me dá a segurança para explorar outros lugares e experimentar novas culturas. É giro ver que quanto mais mundo conheço, mais eu gosto do meu país. Ainda não encontrei outro país em que me sinta tão em casa como em Portugal, e por isso não digo que sou uma cidadã do mundo.

Sou mais uma espécie de “curiosa pelo mundo”.

Diana Borges

Voltaria a viver em Portugal? Tem planos para regressar?

Voltaria e acho que voltarei. Não sei quando nem para fazer o quê, mas isso é outra história. E na verdade também não sei por quanto tempo seria. Penso que o “bichinho” das viagens e de mergulhar em novas culturas e paisagens vai permanecer.

Cataratas
Zâmbia

A minha mala leva…

Alheiras, queijos, chouriços, produtos de higiene e de farmácia (e alguns produtos do IKEA)

Sobre Moçambique:

Que recomendações faria a portugueses interessados em emigrar para Moçambique?

Tragam paciência, boa disposição e venham com humildade. Parece-me ser bastante receptivo a imigrantes portugueses.

Como é o custo de vida?

Regra geral o custo de vida é mais alto que em Portugal, penso que em muito pelo facto de muitos dos bens serem importados. Custos relacionados com o turismo são geralmente caros ou de qualidade muito baixa.

Para quem queira ir de visita que lugares recomenda?

Ainda não consegui viajar muito pelo país, mas do que conheci recomendo Chidenguele e os já famosos Vilankulo e Inhambane. Também ouvi falar muito bem da Ilha de Moçambique.

Há algum local (restaurante, café ou outro) onde se “sinta” a cultura portuguesa?

Vários restaurantes têm pratos portugueses no menu (pregos, feijoadas, bifanas) mas achei curioso um restaurante chamado “Meia Tijela”, em Maputo, servir francesinhas, açordas, e outros pratos típicos portugueses.