Aos 7 anos decidiu que queria ser baterista por causa de um solo de Peter Criss baterista dos Kiss. Fez carreira, emigrou para os Estados Unidos, mas uma vez por lá, a vida trocou-lhe as voltas e Bruno Almeida viria a descobrir uma nova paixão, os vinhos. Hoje é um sommelier conceituado em NYC que não esconde as suas raízes que se estendem entre Portugal, Moçambique e São Tomé e Príncipe.

Nome: Bruno Almeida

Origem: Lisboa

Residência: Nova Iorque

Profissão: Sommelier / Wine Educator

Começou a sua vida nos EUA na música. Conte-nos mais sobre este seu lado artístico?

Sou filho de pais de forte veia artística africana (Moçambique e São Tomé e Príncipe), mas fui desde muito pequeno introduzido a Pink Floyd, Supertramp, Janis Joplin e Chopin pela minha mãe e do lado do meu pai, Ramones a Genesis, Deep Purple a Emerson Lake & Palmer, sendo um solo do Peter Criss dos Kiss durante o Kiss “Alive” de 1975, que me inspirou na tenra idade de 7 ou 8 anos, a me tornar baterista. Comecei com panelas e almofadas, mas aos12 anos comecei a tornar a veia percussionista mais real com bandas punk/hardcore, a revelar a rebeldia da idade e da realidade desses mesmos tempos. Mais tarde regressei às veias progressivas dos meus pais e foquei-me muito em rock/metal progressivo, no final da década de 90. Em 2000 tive a oportunidade de fazer parte de um projeto inovador pop/rock e em 2002 aterrei em NYC. A partir dessa altura, a minha ligação com as terras do tio Sam nunca mais parou e aqui fiquei.

É um lado entretanto adormecido ou que continua vivo?

Está um pouco adormecido.

As artes não pagam contas, infelizmente. Em especial depois do 11 de setembro.

Bruno Almeida

Nessa altura a indústria discográfica teve de se reinventar e eu como muitos outros designers, modelos, coreógrafos, bailarinos, artistas no geral tivemos de nos aventurar, e ainda bem (risos), para continuar a chama acesa. Depois do nascimento do meu filho em 2008 parei um pouco. Mas tenho tocado e colaborado em bandas rock e metal por aqui, e como freelancer muitas vezes.

Antes de ser sommelier Bruno foi baterista em Nova Iorque

Quando diz aventurar-se significa começar a trabalhar em restaurantes para “pagar as contas”. E depois como se deu esta passagem para o mundo dos vinhos?

Foi uma bênção e uma transição a que claramente estou muito agradecido. Venho de famílias pobres sem qualquer raiz em vinhas em Portugal. A passagem deve-se muito ao facto de ter trabalhado num restaurante português icónico aqui em NYC, chamava-se PAO!, onde tive de desenvolver o know how dos vinhos portugueses e da nossa cultura.

Comecei a estudar e a ler muito toda a génese do vinho, pois nessa altura o conhecimento geral dos vinhos portugueses aqui em NYC era muito reduzido.  

Bruno Almeida

Mas agora estou extremamente feliz pois desde essa época despoletou em mim a paixão por esse mundo e nunca mais parei esta longa descoberta do vinho.

O que mais o apaixona nesse mundo?

Sempre gostei de história. Nunca tirei nenhum curso superior devido à falta de condições financeiras, mas se pudesse teria feito Antropologia, pois explica muito a história do vinho e do Homem. Numa cidade como NYC, estes fatores são muito relevantes o que eleva a função de sommelier a um patamar único, por isso, o storytelling e o conhecimento em interação com os outros, injeta-me uma dose eletrizante de paixão pelo que faço.

Tem a oportunidade de trabalhar numa das mais cosmopolitas cidades do mundo e numa área marcada pela sofisticação. Como “sobreviver” e marcar a diferença neste tão exigente mundo?

Passa muito por ser e não esquecer as raízes e entender que somos todos parte dum todo. Tal como o vinho, a música explica muito isso aqui em NYC.

Esta cidade e a América no seu todo, tal como Portugal, nunca seria a mesma se a diversidade não estivesse em cima da mesa.

Bruno Almeida

Não é fácil, é uma cidade que nunca dorme e eu também não posso dormir nas oportunidades que me vão surgindo.

O seu DNA reúne várias influências. Essa diversidade reflete-se nas suas cartas de vinhos?

Completamente. Exponho os vinhos portugueses o máximo possível devido a esse mesmo facto. O do nosso DNA expressa uma diversidade e história enormes. Assim, exploro a conversa do vinho além fronteiras e o meu DNA é exemplo disso mesmo. Somos um povo que, apesar de muito ter viajado, foi deveras ocupado por outras culturas, o que nos enriqueceu de forma ímpar no mundo.

Tem alguma região preferida no que toca a vinhos em Portugal?

É sempre aquela pergunta difícil de responder. Nasci e cresci em Lisboa, mas o meu coração está mais a norte. A estória dos vinhos de Lisboa é parte deveras importante dos vinhos portugueses e visitar hoje em dia, zonas como Bucelas, Carcavelos, Colares e Torres Vedras, emociona-me imenso. Penso que não lhes dei a devida atenção enquanto “partia a loiça” a tocar bateria ou me perdia pelos pomares a comer pêssegos, pera rocha ou melões durante o verão. Também a Bairrada tem um lugar muito especial para mim devido a vários fatores. No geral Portugal tem algo inexplicável é difícil dizer regiões preferenciais.

Um dos grandes segredos dos vinhos portugueses, é o seu grande potencial de armazenamento.  

Bruno Almeida

Mas infelizmente, os vinhos com uma certa idade raramente chegam aos EUA, exceto alguns vinhos do Porto e da Madeira.

De uma forma geral o que faz um Wine Educator?

Sou sommelier certificado pela Court of Master Sommeliers (Americas), mas o verdadeiro diploma passa pelos longos anos a trabalhar nas mesas. Essas horas infindáveis nas pernas, permitem-me, em conjunto com a certificação, partilhar o que sei e aprender com os outros, acerca do mundo dos vinhos. Como Wine Educator, o meu objetivo é tornar o universo e a palavra do vinho próximo a todos. Sou um storyteller em constante renovação.

Bruno é também Wine Educator

Fale-me da sua ligação a Portugal, com que frequência vai e que razões o levam até lá?

A vida não para aqui em NYC e fica difícil visitar Portugal. Vou sempre que posso para seminários ou visita a produtores. Possuo poucas relações familiares em Portugal infelizmente, mas bate forte o coração.

Admite regressar a Portugal?

Pergunta terrível e somente os deuses sabem. Tenho saudades de Portugal ao ponto de depois de quase 20 anos aqui continuar a ter sonhos com o meu passado em Portugal. Mas o bem mais precioso da minha vida, o meu filho é americano, nascido aqui e a minha vida será a sua sentinela.

Mas não escondo o fervor de ter um pé na “Lusitânia” e outro no “Uncle Sam”. Potencialmente irei me aposentar na Madeira ou nos Açores quem sabe.

Bruno Almeida

Se pudesse definir Portugal num vinho qual seria?

Um vinho complexo e intriseco, sempre fresco e energético, mas algo que necessita de tempo e paciência para ser entendido. De outra forma qual seria a piada, qual seria a pressa? Os grandes vinhos ou regiões do mundo levaram tempo a se fazerem notar.

Do que sente mais falta em Portugal?

Do pôr do sol e dos céus. De me sentar numa mesa comprida com boa comida e paisagem e principalmente com aqueles portugueses únicos e reais, sem papas na língua.

E do que não tem saudades?

Adoro Portugal, as minhas raízes siginificam tudo para mim, mas o preconceito social e o comodismo impregnado de uma forma geral. A falta de união e apreço pelas artes (vinho incluído) e até mesmo pelo próprio país. Muito mudou nos últimos 20 anos, mas ainda temos um longo caminho a percorrer, os últimos sufrágios eleitorais assim explicam. De certa forma tive de explorar outras bandas, pois tornou-se asfixiante ter ambições em Portugal. A burocracia, os maus velhos costumes e o preconceito não me proporcionaram momentos risonhos na altura.

A minha mala leva…

Vinhos portugueses.

Sobre NYC:

A melhor coisa de viver na cidade que nunca dorme?

A diversidade e a resiliência unida numa cidade que espelha meio mundo. Lidar e aprender mais de 150 idiomas, realidades e perspetivas, tornaram-me uma pessoa em constante transformação. Quando cá cheguei associava a ideia de a cidade ser uma sopa triturada, mas com o tempo cheguei à conclusão que é mais como uma salada com vários ingredientes para serem saboreados de forma única no mesmo prato.

Quais os seus “recantos” favoritos na cidade?

Longas caminhadas pelas ruas e avenidas, atravessando pontes atá aos terraços com vistas incríveis sobre a cidade e arredores. Sentir certos bairros a exprimir etnias e vivências. Falar com as pessoas na rua, pois a aprendizagem nunca para.

Para quem quer viver e trabalhar em NYC o que deve ter em conta?

É um grande desafio, confesso que não é fácil e principalmente durante estes tempos mais difíceis. O futuro vai ser muito incerto. Será sempre a cidade no país da aventura e oportunidade, mas tens de lutar e fazer por isso. É uma pizza deliciosa onde muitos querem uma fatia, perante águas repletas de tubarões. Mente aberta e pronta à aprendizagem nas suas variadas frentes.

E para quem vai de visita, o que considera imperdível?

NYC tem muito mais para oferecer do que o Empire State Building ou a Estátua da Liberdade, cada parte de Manhattan revela muitos segredos e a história da cidade, que se prolonga através de pontes e túneis pelo Hudson River, para Brooklyn, Bronx, Queens, Staten Island e até às partes próximas de New Jersey. A diversidade única da cidade alastra­-se na Tri-State área até Connennicut. O nova iorquino é o mais imperdível, vir aqui só para tirar fotos e não interagir com as pessoas não terá piada nenhuma.

Em poucas palavras…

  • Um lugar no mundo: Sicília
  • Um prato: Ameijoas a Bulhão Pato
  • Uma música: “Immigrant Song” Led Zeppelin
  • Um livro: Friedrich Nietzsche “Twilight of the Idols”
  • Um filme: Bram Stoker’s Dracula
  • Uma palavra para o descrever: Touro