Há 11 anos em Itália, Teresa Pato vê-se agora num dos epicentros da pandemia mundial de Covid-19. De quarentena, fechada na sua casa em Milão, Teresa conta-nos como estão a ser estas duas semanas em que a vida mudou radicalmente. “Tentamos manter alguma resiliência”, diz-nos.

Nome: Teresa Pato

Origem: Coimbra

Residência: Milão

Profissão: Apps Technical Specialist na Google

Como está o ambiente em Milão?

O ambiente é de solidariedade, apreensão e esperança. Toda a gente respeita a regra da reclusão e nas ruas não se vê ninguém, apenas um silêncio sepulcral. Chega a ser assustador.

Quando é que tomou consciência que a situação era grave?

Confesso que no início não dei grande importância, e acho que nem mesmo as autoridades em Itália previam esta situação. No início foi apenas decretado o fecho das escolas na Lombardia e redução de meios de transporte. Assim, na primeira semana, toda a gente reagiu com algum medo ficando em casa, mas passados 4 dias já estava toda a gente na rua normalmente a fazer a sua vida e a ir para o trabalho. Foi apenas quando decretaram zona vermelha na Lombardia que me dei conta que a coisa estava a ficar complicada. E dois dias depois decretaram um shutdown completo e aí sim, percebi a gravidade. Foi também quando começaram a mostrar nos meios de comunicação a situação que se vivia nos hospitais da Lombardia que toda a gente percebeu o que se passava.

A verdadeira tragédia passa-se ali, nos hospitais, e na falta de ventiladores para tantas pessoas (novas e idosas) que não conseguem respirar sem respiração assistida.

Teresa Pato
Senhor a andar de bicibleta numa rua de MIlão
Milão

Que mudanças teve a sua vida depois de ser decretada a quarentena obrigatória?

A passagem para quarentena obrigatória foi a última de uma série progressiva de medidas até chegar a esse ponto (e talvez esse tenha sido o problema em Itália).  O primeiro passo foi o fecho das creches, escolas e universidades no dia 20 de fevereiro. E a partir daí fiquei em casa a tomar conta do meu filho e a trabalhar ao mesmo tempo. Mas não era proibido sair de casa, pelo que continuava a sair com ele ao parque. Passadas duas semanas foi decretada proibição de estar a menos de 1 metro de distância das outras pessoas, cumprimentar com beijos ou apertos de mão e número limitado de pessoas nos bares, restaurantes e supermercados. Nessa altura deixei de frequentar espaços fechados. Mas continuei a sair de casa. Passados alguns dias decretaram quarentena obrigatória, e então a partir desse momento fiquei em casa.

Saio apenas para passear o meu cão (com autorização da Polícia) e para ir ao supermercado.

Teresa Pato

Comecei também a ajudar idosos do meu condomínio com algumas tarefas para evitar que eles saiam de casa. É importante ajudar quem precisa com coisas simples como ensinar a usar Whatsapp para fazer videochamadas com a família.

Criança e cachorro labrador a brincar com Legos
De quarentena Elvis tem sido uma boa companhia para o pequeno Vasco de 2 anos

Como é viver entre 4 paredes? Que métodos tem utilizado para manter a “normalidade”?

É muito difícil. Tento manter rotinas (exemplo: acordar cedo, como se fosse trabalhar) e usar a criatividade para inventar brincadeiras novas todos os dias e entreter o meu filho de 2 anos. O meu companheiro está a trabalhar a partir de casa, mas eu optei por tirar uma licença para tomar conta do nosso filho. Tento aproveitar para fazer outras coisas que normalmente não tenho tempo para fazer, como seja arrumar armários e cozinhar receitas novas.

Que impacto está a ter a pandemia na sua vida e na da sua família?

Estamos fechados em casa e psicologicamente é muito complicado dado que estar 24 horas por dia em contacto com as mesmas pessoas causa um cansaço muito grande. E o pequenino de 2 anos está muito irritado por não poder sair e ir ao parque brincar. Tem sido complicado gerir a casa nestas circunstâncias, mas tentamos manter alguma resiliência.

Mãe e filho junto ao duomo em milao
Teresa Pato vive em Milão desde 2011

Julga que Itália e os italianos foram negligentes e têm responsabilidade na situação atual?

Não acho que tenham sido negligentes, mas não esperavam uma situação explosiva de contaminação como esta. E a adaptação à situação talvez tenha sido demasiado lenta.

Deviam ter aplicado imediatamente a medidas restritivas que temos ativas neste momento.

Teresa Pato

Por exemplo, quando fecharam as escolas, muitos miúdos e adolescentes sentiram-se de férias e decidiram passar o tempo com os amigos nos parques, na rua, em grupos. Ora, é exatamente isso que não se deve fazer num cenário de contágio em fase exponencial. Mas não havia indicações do governo que obrigassem a estar em casa, por isso as pessoas não sabiam que não o deviam fazer. Estes foram erros, sim.

Mas dado que foi o primeiro país democrático a viver a crise do coronavirus, considero que foram erros justificáveis.

Teresa Pato

O que não entendo é a forma como outros países reagiram, ou seja, tendo Itália 2 ou 3 semanas “ à frente no tempo”, podiam ter tomados medidas rígidas imediatamente e impedir contágios atempadamente.

Galeria Vittorio Emanuele II em Milão
Galeria Vittorio Emanuele II

De que é que tem mais medo neste momento?

Tenho medo que a minha mãe, em Portugal, com muitas limitações físicas, venha a ter necessidades e eu – por estar em Itália – não consiga ajudar. E tenho muito medo do impacto económico da Covid-19. Temo que muita gente venha a perder o trabalho.

Como era a sua vida antes da Covid-19?

Frenética. Muito trabalho, um filho pequeno, um cão. Sempre de um lado para o outro e aos fins de semana sempre fora de casa com a “trupe”.

Que circunstâncias a fizeram emigrar para Itália?

Vivo em Milão desde 2011. Senti que profissionalmente o meu percurso nas empresas por onde passei em Portugal não me permitia desenvolver novas competências, experimentar ou arriscar.

Por isso, decidi que enviava candidaturas para uma série de países e permanecia no primeiro país que me chamasse para entrevista.

Teresa Pato

Mesmo que a entrevista não se concretizasse numa oferta de trabalho posteriormente. E foi isso mesmo que aconteceu. Vim com uma entrevista marcada e não consegui o emprego. Mas decidi ficar. Assim sendo a resposta é: Itália, por mero acaso.

Mulher à beira de um lago com o cão
Teresa Pato trabalha para a multinacional tecnológica Google

Itália recebeu-a bem?

Não posso dizer que tenha sido fácil. Quando cheguei a Milão não sabia falar italiano e isso dificultou muito a minha integração. Uma coisa que me chocou muito foi uma certa adversidade a estrangeiros por parte da população mas também a nível burocrático. Os estrangeiros aqui têm a vida muito complicada no que diz respeito a obtenção de residência, acesso ao sistema de saúde, etc. E infelizmente o país ao longo destes anos em que aqui estou tem vindo apenas a dificultar ainda mais a vida a quem não nasceu italiano devido às recentes mudanças políticas que têm conduzido a um governo de extrema direita que tem como slogan “Os Italianos em primeiro lugar”.

Tem sido muito triste para mim assistir à marginalização cada vez mais acentuada dos imigrantes em Itália.

Teresa Pato

Mas sente-se realizada termos profissionais?

Tudo se tornou mais fácil passado um ano após a minha chegada quando entrei na Google. Foi como respirar fundo! Finalmente tinha encontrado uma empresa com um ambiente internacional, trabalhava com pessoas de todo o mundo. Uma empresa onde a diversidade cultural é estimada e fomentada. Ainda hoje, passados 6 anos, sinto isso.

Trabalho numa realidade diferente daquela onde vivo.

Teresa Pato

Entrar na empresa de manhã é como entrar num mundo àparte. Quando saio do trabalho, volto a entrar em Itália.

Mulher à beira mar com cão
Elvis, o cão de Teresa fez um curso de salvamento em água

Do que é que sente mais falta em Portugal?

Do mar e da minha mãe. E torradas com galão! Na verdade tenho saudades de tudo!

Tendo em conta o impacto económico que a Covid-19 terá em Itália, após a pandemia, pondera regressar a Portugal?

Não, dado que Portugal provavelmente vai sofrer com as mesmas consequências. E sei que a Itália mais rapidamente pode recuperar, Portugal é mais frágil economicamente. E assim sendo não se justifica voltar para Portugal caso tudo se complique em Itália.

Há muitos emigrantes portugueses à sua volta?

Não, infelizmente há pouquíssimos portugueses em Milão, e os que cá estão são principalmente estudantes de Erasmus. Conheço poucos portugueses aqui.

Mas gostava de salientar a forma como as pessoas aqui me descrevem Portugal. Todos dizem que é um país incrível, com boa gente, óptima comida, cidades lindíssimas.

Assisto a uma nova tendência muito italiana: emigrar para Portugal logo a seguir à reforma.

Teresa Pato

São muitos os Italiano que quando se reformam vão viver para Portugal gozando grandes benefícios fiscais por 10 anos e uma melhor qualidade de vida. Prezo muito em saber que escolhem Portugal como destino, mas entristece-me o facto de contribuírem para um envelhecimento ainda mais acentuado da população. E já agora: são maiores as regalias fiscais que obtêm os reformados ao ir viver para Portugal do que os jovens portugueses emigrados e que gostariam de voltar para o país para trabalhar. Espero que futuramente a situação seja diferente.

Mãe, pai e filho bebé na neve
Valle D’aosta

A minha mala leva…

Bacalhau, claro!

Sobre Milão

Que recomendações faria a portugueses interessados em emigrar para Milão?

Milão não é uma cidade amiga de emigrantes. O norte da Itália não recebe bem estrangeiros. E sem falar italiano é quase impossível encontrar trabalho. Por isso a minha sugestão é pensar muito bem antes de o fazer e falar com pessoas que cá vivem.

E para quem vai de visita, que lugares imperdíveis?

O Duomo! Pinacoteca di Brera. Navigli. Milão é uma cidade muito bonita.

Há locais onde se sente a cultura portuguesa?

Nada, praticamente nada! Apenas um bar que abriu recentemente, que se chama Petiscaria. A cultura portuguesa é inexistente aqui em Milão.